Além de valorizar os sabores e raízes de nosso país, usar ingredientes locais é a melhor forma de ter uma ceia de fim de ano mais solidária às pessoas e ao meio ambiente - sem esquecer as tradições.
A autêntica cozinha brasileira é celebrada em diversas festas ao longo do ano: os pratos com milho ganham vivas nas comemorações da colheita, as receitas de oferenda nos festejos de religiões afro-brasileiras, o pato com tucupi é o rei do Círio de Nazaré, no Pará, e por aí vai. Mas basta chegarem as festas de fim de ano para a mesa se tornar farta em estrangeirismos: nozes, pistaches, amêndoas, tâmaras, cerejas – nada próprio de nossa culinária e tudo quase sempre importado.
A autêntica cozinha brasileira é celebrada em diversas festas ao longo do ano: os pratos com milho ganham vivas nas comemorações da colheita, as receitas de oferenda nos festejos de religiões afro-brasileiras, o pato com tucupi é o rei do Círio de Nazaré, no Pará, e por aí vai. Mas basta chegarem as festas de fim de ano para a mesa se tornar farta em estrangeirismos: nozes, pistaches, amêndoas, tâmaras, cerejas – nada próprio de nossa culinária e tudo quase sempre importado.
O peru se consagrou como prato natalino na Inglaterra e foi trazido para cá pelos portugueses. O hábito das frutas secas e frescas veio dos Estados Unidos. O panetone é herança da Itália. “Essa é a ceia dos grandes centros urbanos. No interior é diferente, até porque o acesso é mais restrito. O peru brasileiro é a galinha caipira”, diz a chef de cozinha Ana Luisa Trajano, que já rodou o país em uma pesquisa sobre a ceia do Brasil. Longe de um Natal com neve, pinheiro branco, lareira e Papai Noel que desce pela chaminé, as ceias do Brasil podem ter gosto de tapioca, farofa de milho, biju, cuca e pernil.
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Mais gostoso ainda é saber que, além de valorizar os sabores e as raízes de nosso país, usar ingredientes locais é a melhor maneira de tornar as festas de fim de ano mais sustentáveis. Veja só: os alimentos não precisarão se deslocar por distâncias absurdas – diminuindo a poluição causada pelos meios de transporte –, e você ainda estimula a agricultura e a economia locais. Não é de abrir o apetite? Confira a seguir seis preciosas dicas para ter uma ceia que respeita a natureza, a comunidade e também tradições.
PLANEJE A CEIA
Para Helio Mattar, presidente do Instituto Akatu pelo Consumo Consciente, há duas formas de se olhar uma ceia: pelo conforto, oferecendo aquilo que é conhecido, ou pelo aconchego do que tem significado. “Eu ficaria superfeliz se fosse a uma ceia e tivesse goiabada cascão com queijo Minas, que representam elementos da minha infância e me levam a pensar na minha família de origem. E o Natal é renascimento”, diz Helio. Primeira lição: ao planejar o cardápio da ceia, pense nos convidados, no que eles gostam, se têm alguma restrição alimentar, como não comer carne ou açúcar. E qual a quantidade ideal de comida? Como bem lembra o historiador da alimentação Carlos Roberto Antunes dos Santos, da Universidade Federal do Paraná, fim de ano é tempo de fartura.
“O consumo em excesso faz parte de uma liturgia, de celebrar coisas que deram certo durante o ano. A ceia farta é uma demonstração de vitória”, afirma. Mas isso não deve significar desperdício. Portanto, vale seguir as sugestões da chef Morena Leite, do restaurante e bufê Capim Santo, de São Paulo, quanto à quantidade de gostosuras por convidado. Anote aí: oito canapés, 250 gramas de carne ou peixe, 200 gramas de acompanhamento (arroz, legumes etc.) e uma fatia pequena de quatro tipos de doces. “A salada, faça em porções individuais, em copinhos, e deixe para temperar na hora”, ensina Marion Ruggero, do bufê paulista Santa Especiaria. Antes de escolher o cardápio, também vale uma espiadela nos alimentos de época, sempre mais frescos e em conta. “E provavelmente você ainda consegue o orgânico”, diz Cláudia Mattos, do bufê Zym, de São Paulo.
USE ORGÂNICO E LOCAL Diversos ingredientes podem ser encontrados na versão orgânica: frutas, verduras e legumes, açúcar, achocolatado, azeite, laticínios, sucos, café, cerveja, vinho, pães, bolos e tortas, molhos, compotas e até carne, além do frango criado solto e livre de hormônios e antibióticos. Os produtos orgânicos certificados são sinal de uma produção que respeita a natureza e as pessoas ao seu redor. Melhor ainda se essa produção for local. Na Europa e nos Estados Unidos, crescem os movimentos em prol dos alimentos locais. Em São Francisco, na Califórnia, algumas pessoas decidiram consumir por um mês apenas alimentos cultivados até 100 milhas (cerca de 160 quilômetros) de suas casas – nos EUA, os alimentos viajam em média 2400 quilômetros da fazenda até a mesa.
Os locavores (loca, do inglês local, e vore, de vorare que, em latim, significa comer), como ficaram conhecidos os adeptos da experiência, argumentam que alimentos orgânicos, inclusive certificados, podem ser produzidos em um sistema de monocultura, que desestimula as fazendas familiares, em uma terra além-mar de onde partem para uma longa viagem até o consumidor. Por isso, eles apresentam uma lista de razões para privilegiar aquilo que nasce mais perto de casa: o frescor e sabor dos ingredientes, que demorarão menos para chegar à panela depois de colhidos e, assim, manterão seus valores nutritivos; a economia de embalagem e de petróleo, um material não renovável, devido à menor necessidade de transporte; e o estímulo ao crescimento da agricultura e da economia locais.
E local não é sinônimo apenas de 160 quilômetros de distância máxima. Inclua aí seu estado ou mesmo seu país e já ajude a preservar riquezas. “Valorizar o alimento típico de uma região é também uma forma de impedir sua extinção”, diz Cenia Salles, líder do Slow Food São Paulo, que tem entre seus preceitos privilegiar as iguarias regionais (veja na seção Simples Assim alguns alimentos nacionais em extinção).
SAIBA A ORIGEM DOS PRODUTOS Ok, você pode estar se questionando: num mundo de hipermercados e produtos indus–trializados, como saber a verdadeira origem dos alimentos? “O jeito é perguntar. Garanto que se todos nós começarmos a questionar a origem dos ingredientes na hora das compras, os supermercados, padarias e quitandas vão passar a disponibilizar essa informação”, diz Helio Mattar. E mais: informe-se sobre o assunto, assim você pode fazer as perguntas certas. Os locavores, da Califórnia, até criaram uma listinha de bolso com questões para fazer ao gerente do supermercado. Entre elas: “Você vende algum tipo de carne, ave, laticínio ou ovo cultivado de forma sustentável ou or–gânica?”; “O que você pode dizer sobre a origem dos produtos vendidos aqui? São de pequenos produtores da região?”; “Você sa–beria o nome e a localização da fazenda? Como os animais são criados lá?”.
Apesar da cola, vale a lição de casa: leia os rótulos e busque in–formações sobre os fabricantes de alimentos na internet. Uma boa referência é o Guia de Empresas e Produtos do Instituto Akatu, que avalia 17 critérios de responsabilidade sócio-ambiental de em–presas, como o cuidado com o meio ambiente e as relações de emprego justas. Fique de olho também nas listas de pontos de vendas de alimentos orgânicos, como as disponíveis nos sites Portal Orgânico e Planeta Orgânico, ou encomende cestas com esse tipo de alimento – a maioria de seus comerciantes informa os fornecedores.
COMPRE DE COOPERATIVAS
Para traduzir o espírito de solidariedade do Natal na ceia, compre quitutes e utensílios produzidos por pequenas comunidades ou projetos sociais. “Fala-se muito em desmatamento na Amazônia. Mas que contrapartida oferecemos para que a população local consiga sobreviver sem explorar de forma negativa a floresta? Por isso, só trabalho com frutos amazônicos. As árvores precisam estar de pé para que eles sejam colhidos”, diz Iolane Tavares, da marca de chocolates Frutos da Amazônia, que faz panetones com ingredientes como castanha-do-Brasil e cupuaçu colhidos por habitantes locais.
O comércio ético e solidário é também um dos três princípios do trabalho do bufê paulista Cacauí, que adquire tudo o que usa em seus eventos de cooperativas, associações comunitárias e pequenos produtores rurais orgânicos. “Organizamos um café-da-manhã em que o pão é feito pela Associação Comunitária O Pequeno Príncipe, o bolo é da padaria comunitária Monte Azul e o queijo vem de um pequeno produtor orgânico”, afirma Patrícia Bugget, uma das coordenadoras do bufê. Que tal se inspirar no exemplo dela? Se não houver uma associação comunitária perto de você, preste atenção nas estantes de empórios e mercados, pois volta e meia se encontram produtos artesanais com uma etiqueta que identifica seu apelo social.
IMPORTE SÓ ORIGINAIS Não tem jeito, você adora nozes e cerejas e não titubeia ao investir em um bom espumante francês. Respeite suas próprias tradições. “Talvez a palavra importante no sustentável seja equilíbrio. E o equilíbrio tem que passar pelo sabor”, afirma o chef João Belezia, de São Paulo. Lembre-se: ceias de fim de ano são momentos especiais. “Se você tem convidados que gostam ou entendem de vinho, por exemplo, é melhor ter um vinho importado de qualidade que ter um pior só porque é da região. O prazer também é sustentável, tem que sustentar a alegria”, diz Cláudia Mattos.
Uma forma de consumir iguarias não locais e ainda assim ajudar a preservar tradições é optar por ingredientes produzidos em sua região de origem. Um exemplo: já que você vai tomar um champanhe francês, que tal comprar o espumante produzido na região de Champagne, tão versada na produção da bebida que inclusive lhe emprestou o nome? Se você optar pelo queijo Minas, compre o que vem de Minas mesmo, e não do Mato Grosso. É o que os franceses chamariam de alimentos de terroir, ou de território, pois carregam em seu paladar as nuances daquela terra.
PREFIRA O COMÉRCIO DO BAIRRO Todas as dicas anteriores lhe pareceram apetitosas. Mas tradição para você é comer pistache e damasco que vêm na cesta de Natal da empresa. Ou, se é para investir no brinde do Réveillon, você prefere um champanhe da Normandia. Tudo bem. Você ainda tem uma chance de ter uma ceia menos “insustentável”: faça as compras no comércio local. Além de fortalecer a economia do seu bairro, você diminui a necessidade de deslocamento – o que é mais aprazível e menos poluente. Dependendo da distância, dá até para fazer compras a pé, usando uma sacola retornável bem resistente, ou de bicicleta. Vale ainda encomendar os produtos naquele mercadinho da esquina, que faz entregas usando as magrelas.
Se for pegar o carro, faça uma lista bem completa e resolva tudo de uma vez. Também dá para trocar o panetone industrializado pelo feito na padaria vizinha, encomendar acepipes com aquela moça que mora na rua debaixo e faz salgados para fora ou comprar os irresistíveis beijinhos da doceira do bairro que você adora. O que é que tem se beijinho não tem nada a ver com Natal ou Réveillon? Afinal, o que todo mundo quer é ter uma noite feliz – para você, para o planeta e para todos que vivem nele.
Uma sugestão de ceia que testamos e aprovamos
• Galinha caipira com farofa de milho e couve
• Arroz do sertão com castanha de baru
• Salada de feijão-fradinho com tomate e leite de coco
• Amendoim torrado
• Fita de coco
• Castanhas de baru, de caju e do Brasil
• Banana-passa
• Bolinho de mandioquinha
• Licor Canjinjim, feito no Mato Grosso com pinga e especiarias
• Torta de banana com castanha do Brasil
• Limonada
• Cafezinho
Receitas elaboradas pela chef de cozinha e autora do livro Cozinhando para Amigos (DBA), Heloisa Bacellar.
O peru se consagrou como prato natalino na Inglaterra e foi trazido para cá pelos portugueses. O hábito das frutas secas e frescas veio dos Estados Unidos. O panetone é herança da Itália. “Essa é a ceia dos grandes centros urbanos. No interior é diferente, até porque o acesso é mais restrito. O peru brasileiro é a galinha caipira”, diz a chef de cozinha Ana Luisa Trajano, que já rodou o país em uma pesquisa sobre a ceia do Brasil. Longe de um Natal com neve, pinheiro branco, lareira e Papai Noel que desce pela chaminé, as ceias do Brasil podem ter gosto de tapioca, farofa de milho, biju, cuca e pernil.
Mais gostoso ainda é saber que, além de valorizar os sabores e as raízes de nosso país, usar ingredientes locais é a melhor maneira de tornar as festas de fim de ano mais sustentáveis. Veja só: os alimentos não precisarão se deslocar por distâncias absurdas – diminuindo a poluição causada pelos meios de transporte –, e você ainda estimula a agricultura e a economia locais. Não é de abrir o apetite? Confira a seguir seis preciosas dicas para ter uma ceia que respeita a natureza, a comunidade e também tradições.
Planeje a ceia
Para Helio Mattar, presidente do Instituto Akatu pelo Consumo Consciente, há duas formas de se olhar uma ceia: pelo conforto, oferecendo aquilo que é conhecido, ou pelo aconchego do que tem significado. “Eu ficaria superfeliz se fosse a uma ceia e tivesse goiabada cascão com queijo Minas, que representam elementos da minha infância e me levam a pensar na minha família de origem. E o Natal é renascimento”, diz Helio. Primeira lição: ao planejar o cardápio da ceia, pense nos convidados, no que eles gostam, se têm alguma restrição alimentar, como não comer carne ou açúcar. E qual a quantidade ideal de comida? Como bem lembra o historiador da alimentação Carlos Roberto Antunes dos Santos, da Universidade Federal do Paraná, fim de ano é tempo de fartura.
“O consumo em excesso faz parte de uma liturgia, de celebrar coisas que deram certo durante o ano. A ceia farta é uma demonstração de vitória”, afirma. Mas isso não deve significar desperdício. Portanto, vale seguir as sugestões da chef Morena Leite, do restaurante e bufê Capim Santo, de São Paulo, quanto à quantidade de gostosuras por convidado. Anote aí: oito canapés, 250 gramas de carne ou peixe, 200 gramas de acompanhamento (arroz, legumes etc.) e uma fatia pequena de quatro tipos de doces. “A salada, faça em porções individuais, em copinhos, e deixe para temperar na hora”, ensina Marion Ruggero, do bufê paulista Santa Especiaria. Antes de escolher o cardápio, também vale uma espiadela nos alimentos de época, sempre mais frescos e em conta. “E provavelmente você ainda consegue o orgânico”, diz Cláudia Mattos, do bufê Zym, de São Paulo.
Use orgânico e local
Diversos ingredientes podem ser encontrados na versão orgânica: frutas, verduras e legumes, açúcar, achocolatado, azeite, laticínios, sucos, café, cerveja, vinho, pães, bolos e tortas, molhos, compotas e até carne, além do frango criado solto e livre de hormônios e antibióticos. Os produtos orgânicos certificados são sinal de uma produção que respeita a natureza e as pessoas ao seu redor. Melhor ainda se essa produção for local.